O manuscrito Voynich
O primeiro artigo deste blog é um dos maiores mistérios com a qual a arqueologia já se deparou. Não por acaso, uma das páginas do manuscrito Voynich foi escolhida para estampar a imagem principal do site. Ele é conhecido como o "livro que ninguém consegue ler". Mas o que seria esse manuscrito? Qual o mistério em volta dele? Vamos aos fatos:
A primeira aparição de que se tem notícia do manuscrito data de 1912, quando ele foi adquirido pelo mercador de livros Wilfrid Michael Voynich, um norte-americano de ascendência polonesa cujo sobrenome acabou por batizar o documento. Voynich comprou o volume em meio a cerca de outros trinta livros no colégio Jesuíta de Villa Mondragone, em Frascati – um povoado da província de Roma, a cerca de vinte quilômetros da capital italiana. Pelas cartas encontradas junto ao livro, pode-se concluir que ele fora adicionado ao acervo do colégio pelas mãos de Athanasius Kircher, jesuíta do século XVII conhecido por suas habilidades matemáticas e por seu conhecimento de ciências naturais. Ele recebera o manuscrito de seu amigo Johannes Marcus Marci, reitor da Universidade de Roma, que o desafiava a decifrar a desconhecida linguagem na qual o livro fora redigido. Marci, por sua vez, havia recebido o livro de seu também amigo George Baresch, um alquimista de renome que herdara a obra do Imperador do Sacro Império Romano Germânico Rodolfo II. Diz-se que o Imperador pagara 600 ducados pelo manuscrito, uma pequena fortuna para a época, por acreditar que havia sido redigido pelo famoso filósofo inglês Roger Bacon – o que jamais ficou provado.
O grande mistério envolvendo o manuscrito é sua linguagem completamente ininteligível. O texto conta com 204 páginas, redigidas da esquerda para a direita, sem pontuação, em um sistema não identificado de escrita. Conta também com diversas ilustrações, pintadas a partir de pigmentos das mais variadas tonalidades – um capricho que não deve ter saído barato para seu autor. Também é consenso que o livro que hoje conhecemos não está completo, tendo perdido ao longo dos anos 68 páginas de seu conteúdo original. O manuscrito conta com aproximadamente 170.000 caracteres, distribuídos em 35.000 palavras. Ninguém jamais soube precisar a identidade de seu autor.
O manuscrito Voynich é dividido em quatro partes. A primeira, chamada de “botânica” conta com 113 ilustrações de plantas. Como se não bastasse a linguagem indecifrável, tampouco foi possível identificar a maioria das espécies dos vegetais desenhados. Para quem quiser se arriscar a descobrir as espécies retratadas, seguem algumas imagens:
A segunda parte, chamada de “astronômica”, apresenta diagramas de estrelas. Algumas constelações nunca foram identificadas, mas é possível distinguir referências a alguns signos do zodíaco. Aí vão algumas figuras encontradas nessa parte:
A terceira parte, apelidada de “biológica”, traz figuras de mulheres nuas imersas em fluidos escuros, em um fluxo ligado por vasos comunicantes. Curioso? Aí vão as figuras:
A quarta parte, “farmacológica”, apresenta desenhos de frascos e ampolas, bem como de raízes e plantas que se supõem medicinais. Veja um exemplo de compilação de raízes supostamente medicinais:
Há ainda uma quinta seção, sem ilustrações elucidativas, que se estende da página 103 a 204, e que, para muitos, constitui o índice do manuscrito.
A própria datação do manuscrito é motivo de controvérsia. Enquanto o teste do carbono 14 remeteu a origem do livro ao início do século XV, outros indícios apontam em direções divergentes. Detalhados desenhos de girassóis na seção "botânica" parecem indicar que o manuscrito Voynich teria sido escrito após o descobrimento da América, uma vez que aquela planta apenas passou a ser conhecida na Europa quando começou a ser trazida do Novo Mundo. Possíveis referências ao alquimista Jacobus Horcicki, descobertas no texto após análises por radiação infravermelha, sugerem, por outro lado, que o livro teria sido elaborado durante ou após o período em que viveu o estudioso - no começo do século XVII. A única certeza acerca de sua origem, segundo os estudos realizados, é a de que o manuscrito foi elaborado na Europa, em algum momento entre o fim da Idade Média e o começo da Idade Moderna. Entretanto, a data exata de sua elaboração, seu autor ou sua finalidade constituem questões que jamais foram satisfatoriamente elucidadas.
O manuscrito permaneceu com Wilfrid Michael Voynich até a sua morte, em 1930, quando então passou às mãos de sua esposa, Lily. Ela também o manteve consigo até falecer, em 1960, ano em que o livro foi herdado pela amiga de Lily e antiga secretária de Voynich, Anne Nill. Seguindo instruções deixadas ainda em vida pelo póprio Voynich, Anne determinou que o livro apenas poderia ser vendido a um comprador ilibado, cuja reputação deveria ser submetida a aprovação de um pequeno comitê, formado por ela mesma e por outros quatro velhos amigos de Voynich. Em 1961, um ano após ter recebido o manuscrito de Lily, Anne a vendeu a um comerciante de livros de nome Hans P. Kraus, que, em troca dos direitos exclusivos sobre o documento, pagou uma boa quantia à antiga secretária de Voynich. Conforme orientações do comprador, Anne enviou cartas a todas as pessoas que já haviam recebido cópias do manuscrito, a fim de recebê-las de volta e preservar a exclusividade exigida por Kraus. O fato de nem todos os compradores terem atendido ao pedido não impediu o comerciante de levar seu plano adiante e tentar vender o livro por uma pequena fortuna, acreditando que o manuscrito estava revestido de particular relevância científica. Cento e sessenta mil dólares, uma vultuosa quantia para a época, foi a pedida de Kraus. Após insistentes e frustradas ofertas a potenciais compradores, Kraus se convenceu de que jamais recuperaria o investimento dedicado ao livro. Frustrado, optou por doá-lo à Universidade de Yale, junto a cartas e documentos redigidos por Voynich, incluindo seu caderno de anotações sobre o livro. É lá que o manuscrito permanece até hoje.
Em 2012, o The History Channel lançou o que talvez seja o mais completo documentário sobre o tema. É um extenso relato, de quase uma hora de duração, sobre as origens, os mistérios e as teorias envolvendo o livro. Apesar da longa duração, é material obrigatório pra quem quer se aprofundar no tema.
O manuscrito Voynich vem sendo estudado por mais de cem anos por diversos especialistas em criptografia - inclusive membros do serviço secreto de diversos países, alguns responsáveis por quebrar códigos secretos alemães e japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. O manuscrito, porém, jamais teve seu código quebrado. Nunca uma única palavra sequer foi decodificada. Muitos acreditam tratar-se de um embuste muito bem arquitetado, mas dadas a complexidade, a extensão e a riqueza da escrita, bem como os detalhes das ilustrações, a teoria soa pouco credível. Quem dedicaria tanto tempo a uma simples fraude?
Inúmeras teorias tem sido desenvolvidas a respeito do tema. A mais antiga delas remete à ideia de que o manuscrito teria sido obra do monge e filósofo inglês Roger Bacon. Entretanto, a datação do documento - que, a despeito de seu grande intervalo, o situa em algum lugar entre o século XV e o XVII - joga a teoria por terra, dado que o estudioso viveu no século XIII. Derrubada a hipótese mais popular, inúmeras outras surgiram: o livro seria um tratado de ciências naturais para uns, um manuscrito religioso secreto dos cátaros para outros, uma fraude do próprio Voynich, destinada a torná-lo famoso - o que sem dúvida aconteceu - para os mais céticos. Uma teoria bastante factível propõe que mais de um código tenha sido utilizado na elaboração do manuscrito, o que ajudaria a explicar sua complexidade. Explicações mais recentes e complexas, desenvolvidas em diversas universidades destinadas à criptografia e arqueologia, começaram a tomar forma a partir deste século. A Wikipedia reúne algumas das mais recentes teorias, em detalhes, incluindo uma desenvolvida na Unicamp, pelo professor Jorge Stolfi. Vale a leitura!
Conforme o conhecimento cienífico avança, multiplicam-se as teorias destinadas a tentar decifrar o "livro que ninguém consegue ler". Muitas já foram jogadas por terra, outras ainda encontram sustentação em uma ou outra evidência e continuam a ser exploradas. Qualquer que seja a teoria mais atraente, porém, resta apenas uma certeza: o manuscrito Voynich ainda não foi decifrado. Talvez esteja ainda esperando um criptologista talentoso o suficiente para se mostrar à altura da tarefa e quebrar o código. Ou talvez seja apenas o embuste mais bem elaborado da história recente da humanidade.