O caso do desaparecimento do escoteiro

Marco Aurelio Simon nasceu no dia 16 de janeiro de 1970, na cidade de São Paulo. Em junho de 1985, ele era um rapaz de espírito curioso e desbravador, inteligente e apreciador da vida ao ar livre. Como muitos de sua idade, estava filiado ao movimento escoteiro, mais especificamente ao Grupo de número 240 - Olivetanos. Estava também prestes a se tornar sênior - ramo do escotismo para rapazes de 15 a 18 anos. Em sua última expedição antes de mudar de ramo, viajou com outros três rapazes e o chefe do grupo para o Pico dos Marins, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais.

Era o dia 8 de junho de 1985. Além de Marco Aurelio Simon, viajaram ao pico os demais escoteiros que compunham a patrulha por ele monitorada: Osvaldo Lobeiro, Ricardo Salvioni e Ramatis Rohm. Marco Aurelio era o mais experiente do quarteto. O quinto integrante da equipe era Juan Bernabeu Céspedes, espanhol natural de Barcelona, que atuava como chefe do Grupo Olivetanos e contava então com trinta e seis anos de idade.

Era um grupo experiente, acostumado às excursões ao ar livre. O destino da equipe, o Pico dos Marins, é um tradicional destino de montanhistas e praticantes de trekking no estado de São Paulo. Não é - e nem era à época - um local particularmente ermo, ou perigoso. Localizado no município de Piquete, na divisa com Minas Gerais, é parte da Serra da Mantiqueira e conta com 2.420 metros de altitude - o que o torna o segundo maior pico do estado, atrás apenas da Pedra da Mina (com 2.798 metros). O caminho até o cume é longo e tortuoso, exigindo habilidade e preparo físico, mas poucos são os pontos de especial perigo para visitantes experimentados. Não há necessidade do uso de equipamentos de escalada, assim como é sabido que o local não se destina à prática de alpinismo propriamente dito. Ali, se pratica a chamada "escalaminhada": a mistura de caminhada com técnicas de escalada, em nível médio de dificuldade.

O grupo chegou à base do pico dos Marins numa quinta-feira. Na sexta, se dedicaram a diversas atividades e exercícios no local. No sábado, dia 8 de junho, finalmente começaram a escalada rumo ao pico. O grupo partiu em torno das 08:30h da manhã, e caminhou por 6 horas, até aproximadamente 14:30h. Foi nesse momento, quando já haviam passado o Morro do Careca e se aproximavam do Pico dos Marins, que um dos escoteiros, Osvaldo, torceu o joelho. Impossibilitados de prosseguirem a escalada, os rapazes e o chefe optaram por abortar a excursão e regressar ao acampamento base. Surgiu a ideia de se improvisar uma maca, e os rapazes começaram a trabalhar na construção da engenhoca. Marco Aurelio, solícito, se ofereceu para ir na frente, na tentativa de abrir caminho para a passagem da maca e de buscar ajuda o mais rápido possível ao colega ferido. Juan o autorizou e, enquanto Marco Aurelio partia na dianteira, ele e os demais escoteiros tentavam terminar a montagem da maca. Como as tentativas não deram certo, os três se juntaram para transportar Osvaldo por si mesmos, apoiando-o nos próprios ombros. O grupo, então, já estava dividido.

Marco Aurelio partiu munido de um apito, uma faca e um giz. Com o giz, marcava periodicamente o número 240 - a identificação do Grupo Escoteiro - em pedras que encontrava pelo caminho. Assim que Juan e os demais desisitiram de construir a maca e passaram a transportar Osvaldo, começaram a seguir as marcações feitas por Marco Aurelio. Ao longo de três pedras no caminho, encontraram e acompanharam a marcação do número 240. Após a terceira pedra, porém, o caminho se bifurcava. Pelas marcas no terreno, era bastante evidente que Marco Aurelio teria tomado o caminho da esquerda. Esse, entretanto, era o caminho com mais obstáculo - embora mais curto - e Juan, antevendo a dificuldade de atravessá-lo com Osvaldo aos ombros, decidiu tomar o caminho da direita. Os demais escoteiros questionaram a decisão, mas o chefe acalmou-os, garantindo que os caminhos se cruzariam e eles encontrariam Marco Aurelio mais adiante.

O encontro, no entanto, jamais ocorreu. O caminho escolhido por Juan revelou-se muito mais longo, custando ao grupo nada menos que quinze horas de caminhada. Ao chegarem ao acampamento base, às 05:30h da manhã, procuraram Marco Aurelio, mas ele não estava lá. Mais que isso, seus pertences estavam intactos. Era de se estranhar que o monitor da patrulha não desse sinal de presença, considerando que ele descera sozinho e pelo caminho mais rápido. Já deveria, há tempos, estar de volta ao acampamento.

Na manhã do domingo, dia 9 de junho, Juan partiu para uma busca de Marco Aurelio, refazendo o trajeto do grupo. Sem encontrar vestígios do rapaz, regressou cinco horas depois e comunicou o desaparecimento à polícia. A partir de então, teve início uma operação de busca de proporções poucas vezes vistas no Brasil.

Durante trinta dias, mais de trezentas pessoas, entre profissionais e voluntários, tomaram parte nas operações de busca de Marco Aurelio. Participaram das ações diversos soldados e oficiais da Polícia Militar, policiais civis, bombeiros, militares do Batalhão do Exército de Lorena, espeleólogos, mateiros, guias, alpinistas, equipes especializadas em salvamento e busca na selva e três equipes do COE - Comando de Operações Especiais da Polícia Militar de São Paulo. Todo esse aparato humano contou ainda com auxílio adicional de dois helicópteros, um avião da aeronáutica - que tirou fotos aéreas da região - e diversos cães farejadores. A região sofreu um minucioso pente fino das equipes de resgate. A certa altura das buscas, já desesperada, a família aceitou o auxílio de parapsicólogos, sensitivos e videntes dispostos a ajudar os parentes de Marco Aurelio.

Os resultados de todos esses esforços combinados? Nada. Absolutamente nenhuma pista, por mais significante que fosse, foi encontrada. Nem uma pegada, nem um rastro, nem um pedaço de roupa, nem um equipamento deixado para trás. Nenhum sinal de violência ou ataques de animais silvestres. Nenhuma sugestão da presença de um cadáver. Cartazes com fotos de Marco Aurelio - estima-se que cerca de trinta mil - foram distribuídos pelas cidades da região. Uma recompensa de 30 milhões de cruzeiros, à época, foi oferecida pela família para quem fornecesse pistas que levassem ao paradeiro do rapaz. Nunca surgiu alguém capaz de embolsar esse dinheiro.

Era como se Marco Aurelio tivesse evaporado no ar.

TEORIAS

Muitas teorias surgiram para tentar explicar o desaparecimento de Marco Aurelio. Uma das primeiras conjecturas a serem analisadas a fundo foi a possível participação de Juan Céspedes no desaparecimento.

Aqui, cabe um parênteses. Não há dúvidas de que o chefe escoteiro cometeu uma sequência de erros naquele dia durante a excursão ao Pico dos Marins. Em primeiro lugar, tornou-se bastante óbvio que Juan desconhecia absolutamente o caminho a ser percorrido. Relata-se que ele se perdeu durante a subida, tirando o grupo da rota em alguns momentos e fazendo caminhos muito mais longos que o necessário. Durante a descida, então, seu desconhecimento do terreno tornou-se notório: ao escolher o caminho errado em uma bifurcação, fez com que o grupo levasse quinze horas para descer um trecho que haviam subido em seis. Diz-se, também, que ele dispensou um guia profissional momentos antes de começar a trilha. Esse guia, Afonso Xavier - homem com mais de cinquenta anos de experiência em montanhismo na região - era também o dono da propriedade onde o grupo erguera seu acampamento base. Ora, como chefe escoteiro, Juan deveria ter escolhido um dos dois caminhos: ter tomado conhecimento prévio do terreno, em incursões anteriores, ou ter levado consigo um guia experimentado. Optou pela terceira via: seguir sozinho em um terreno que ele não conhecia.

Mas esse não foi seu único erro de julgamento. Ao permitir que Marco Aurelio se distanciasse do grupo, a fim de obter ajuda, ele fez com que a equipe se dividisse. A unidade de uma equipe de exploração é um dos fundamentos básicos do escotismo e das técnicas mateiras mais tradicionais. Não se deve, em qualquer hipótese, dividir um grupo que explora um terreno desconhecido, justamente pelo risco de que um membro desgarrado se perca dos demais. Ao optar pelo caminho da direita na bifurcação em que Marco Aurelio claramente escolhera a via oposta, Juan cometera seu terceiro erro. Não apenas conduzira os rapazes a um percurso muito mais longo, como renegara a possibilidade de um rápido reagrupamento com Marco Aurelio. Foi uma sequência de erros que poderia ter sido evitada, e que certamente teria mudado o desfecho dos acontecimentos.

Dito isto, nunca ficou provado qualquer ação dolosa de Juan no caso. Os escoteiros chegaram a confidenciar que o chefe acompanhara rapidamente Marco Aurelio em parte do caminho que ele tomara ao se adiantar ao grupo, retornando pouco depois. Entretanto, ele não teria tido tempo, nem os meios, necessários para um eventual assassinato do rapaz. E mesmo que os tivesse, as incansáveis buscas no local, inclusive com o uso de cães farejadores de olfato apuradíssimo, teriam localizado o cadáver.

Outra teoria desenvolvida à época levantava a possibilidade de que Marco Aurelio tivesse caído em uma grota, uma fenda ou um buraco escondido na mata, onde teria falecido de imediato ou agonizado até a morte. É uma teoria factível - particularmente, considero a mais convincente em uma primeira análise - mas ela esbarra exatamente na mesma questão que faz descartar Juan como assassino: por que as equipes não encontraram um corpo? Mesmo em um ponto remoto, teria havido vestígios da queda. Dificilmente o local passaria desapercebido a uma varredura aérea. Guias e mateiros experientes conheciam os pontos de maior risco para uma queda e certamente os vasculharam com minúcias. Alpinistas investigaram os trechos mais íngremes e menos acessíveis. E, mais uma vez: por mais difícil que fosse o acesso, por mais oculto que revelasse o local, havia os cães farejadores, que teriam encontrado o rastro do rapaz. Aqui, cabe mais um parênteses: o uso desses animais constitui uma ferramenta de investigação muitas vezes subestimada. Diversos estudos têm comprovado a eficácia do uso de cães em cenas de crime, bem como sua extraordinária capacidade de rastrear pistas biológicas, tanto em acurácia, quanto em alcance. O uso desses animais em um famoso caso de desaparecimento é detalhado pelo detetive da polícia judiciária portuguesa Gonçalo Amaral, em seu excelente "A verdade da mentira", uma rica narrativa a respeito das investigações em torno do sumiço da menina inglesa Madeleine McCann em solo português (tema, inclusive, a ser abordado em breve neste blog).

Restavam ainda as teorias que não envolvessem a morte de Marco Aurelio. E se ele tivesse sido sequestrado? Era difícil imaginar um sequestro no alto da montanha, e nada sugeria essa possibilidade aos policiais. A ausência de pegadas de um eventual sequestrador nos trechos onde sabidamente Marco Aurelio passara era um forte contraponto à teoria. Caso se partisse do princípio de que o sequestro ocorrera no acampamento base, quando o escoteiro retornara em busca de auxilio, caberiam as perguntas: Afonso Xavier e as demais pessoas na propriedade não teriam testemunhado nada? Não haveria sinais da passagem de um veículo no local?

Evidentemente, era possível tratar-se de uma fuga voluntária. É uma teoria que a família refuta veementemente, em decorrência da índole de Marco Aurelio e da constatação de que, antes da excursão, ele teria tido inúmeras possibilidades de fuga, em um ambiente muito menos inóspito e desconhecido. De qualquer maneira, foi uma possibilidade amplamente investigada. A polícia chegou a encontrar um caminhoneiro que, à época, garantiu ter dado carona, no dia do desaparecimento, a um rapaz cuja descrição física batia com a de Marco Aurelio. Os investigadores tentaram seguir esse rastro, mas novamente a pista se revelou um beco sem saída. Mais uma vez, nada pôde ser provado.

Todas as linhas de investigação possíveis foram seguidas. A falta de evidências em qualquer sentido, porém, emperrou as averiguações. Diante desse cenário, em 1990, após cinco anos de exaustivas buscas e investigações, o inquérito foi oficialmente arquivado pela polícia civil de São Paulo.

LUZES E SONS DE APITO

Um pormenor interessante a respeito das buscas realizadas na área - e que consta nos autos do inquérito policial - foi a ocorrência de um pequeno incidente durante a segunda noite de investigações. Naquela ocasião, Juan e os demais escoteiros, hospedados na propriedade do guia Afonso Xavier, se preparavam para ir dormir quando ouviram um grito na mata adjacente à casa. O berro foi seguido de um silvo de apito, o que era bastante sugestivo para os escoteiros - Marco Aurelio estava munido de um, e era a forma tradicional como eles se comunicavam ou buscavam auxílio quando perdidos. Juan e os escoteiros imediatamente acorreram à mata de onde se ouvira o grito e o apito. Nesse momento, conforme relato de várias testemunhas, estranhas luzes azuis se acenderam e se apagaram por três vezes no interior da floresta. Juan adentrou a mata e apitou repetidamente, em busca de algum sinal de Marco Aurelio. Nenhuma resposta foi obtida. Diante do silêncio, o chefe decidiu retornar à casa de Afonso.

EXPLICAÇÕES SOBRENATURAIS

O incidente das luzes tratou de reforçar a natureza incomum do ocorrido, e logo começaram a surgir teorias sobrenaturais a respeito do desaparecimento de Marco Aurelio. Portais para outro mundo, abduções por extraterrestres, possessões demoníacas - todas as hipóteses foram levantadas por aqueles que acreditavam que seu sumiço estava ligado a causas acima da compreensão humana. Até mesmo livros publicados sobre o assunto flertam com essas teorias. Como o objetivo deste blog não é apontar ou endossar explicações sobrenaturais, deixo aqui registrada apenas a resposta que Chico Xavier deu à mãe de Marco Aurelio, quando esta lhe perguntou se ele seria capaz de fazer contato com seu filho:

"Sinto muito, minha senhora, mas só me comunico com pessoas desencarnadas".

DIVULGAÇÃO

O caso causou ampla comoção desde o início. A própria prefeitura de Piquete cancelou as festividades de aniversário da cidade, marcada para 15 de junho - uma semana após o desaparecimento de Marco Aurelio. Desde então, o caso ganhou crescente repercussão nacional e internacional. Em 2006, o jornalista Rodrigo Nunes lançou o livro "Operação Marins - o sumiço do escoteiro Marco Aurelio", um interessantíssimo compilado dos passos da investigação. Dois anos depois, a partir de novas entrevistas com envolvidos no caso, foi lançado o "Operação Marins 2 - novas descobertas". A entrevista concedida pelo autor também é uma fonte interessante de informações.

A própria família de Marco Aurelio não tem poupado esforços nos últimos trinta anos para divulgar o caso, com a esperança de ainda reencontrá-lo com vida. O jornalista Ivo Simon, pai de Marco Aurelio, mantém um blog (escoteriodesaparecido.blogspot.com) com constantes atualizações sobre notícias e matérias veiculadas sobre o caso. Também divulga fotos do irmão gêmeo de Marco Aurelio, Marco Antonio, a fim de traçar uma referência de como seria a aparência do desaparecido caso esteja vivo.

Ao fim, o caso Marco Aurelio ganhou o mundo. Seu desaparecimento é citado em diversos veículos internacionais que compilam os casos não solucionados mais intrigantes de que se tem notícia. Nenhum é capaz de fornecer uma resposta convincente quanto ao que aconteceu naquela tarde de 8 de junho de 1985. Para a polícia, ele não morreu no Pico dos Marins. O inquérito policial, baseado no laudo técnico, afirma que o mais provável tenha sido uma fuga. Segundo as palavras da delegada Sandra Vergal, que participou das investigações, as evidências não apontam para a morte do rapaz. “A gente subiu, investigou, fez a reconstituição, olhamos tudo. Não houve ocultação de cadáver, achamos que ele está vivo”. É o que a famíla acha também.

E você?